Com o objetivo de monitorar os avanços da Agenda 2030, a comunidade internacional adotou, desde 2015, o Relatório Global sobre Desenvolvimento Sustentável (GDSR). Publicado no último dia 7 de julho, o Relatório 2020 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável evidencia que apesar do progresso mundial em áreas como melhoria da saúde materna e infantil, expansão do acesso à eletricidade e aumento da representação das mulheres no governo, os progressos ainda ocorrem de forma irregular e insuficiente para alcançar os Objetivos, uma vez que esses avanços são contrabalanceados pelo aumento da insegurança alimentar, da deterioração do meio ambiente natural e das persistentes e generalizadas desigualdades.
O relatório foi lançado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e mostra que a pandemia da COVD-19 – com o número global de mortes excedendo 500.000, e o número de casos confirmados superior a 10 milhões- tornou-se um sério agravante responsável pela interrupção no progresso dos ODS, sendo as pessoas mais vulneráveis e pobres do mundo, as mais afetadas.
Dentre suas principais conclusões estão:
- Estima-se que 71 milhões de pessoas voltem à pobreza extrema em 2020, o primeiro aumento na pobreza global desde 1998.
- O subemprego e o desemprego devido à crise significam que 1.6 bilhão – de trabalhadores já vulneráveis na economia informal –metade da força de trabalho global – podem ser significativamente afetados, com suas rendas reduzidas em aproximadamente 60 por cento no primeiro mês da crise.
- A população mundial de mais de um bilhão de moradores de favelas está sob grave risco dos efeitos da COVID-19, sofrendo com a falta de moradia adequada, sem água encanada em casa, compartilhando banheiros, com pouco ou nenhum sistema de coleta de lixo, em transportes públicos superlotados e com acesso limitado às unidades de saúde formais.
- Mulheres e crianças também estão entre os que mais sofrem com os efeitos da pandemia. A interrupção nos serviços de vacinação e de saúde e o acesso limitado aos serviços de nutrição e dieta têm o potencial de causar mais centenas de milhares de mortes de crianças com menos de cinco anos de idade e mais dezenas de milhares de mortes maternas em 2020. Muitos países têm visto um surto no registro de violência doméstica contra mulheres e crianças.
- O fechamento de escolas manteve 90 por cento dos estudantes em todo o mundo (1.57 bilhão) fora das escolas e levou mais de 370 milhões a ficarem sem merenda escolar. A falta de acesso a computadores e à internet em casa significa que a aprendizagem a distância está fora do alcance de muitos. Aproximadamente 70 países relataram interrupções de moderadas a drásticas ou mesmo a suspensão dos serviços de vacinação infantil em maio e abril de 2020.
- Quando mais famílias mergulham na pobreza extrema, crianças em comunidades pobres e desfavorecidas correm mais risco de trabalho, casamento e tráfico infantis. De fato, as conquistas globais na redução do trabalho infantil poderão ser revertidas pela primeira vez nos últimos 20 anos.
Para ler o relatório na íntegra, acesse: https://unstats.un.org/sdgs
O relatório também mostra que a mudança global do clima ainda ocorre mais rapidamente do que o previsto. O ano de 2019 foi o segundo mais quente já registrado e o último da década mais quente (de 2010 a 2019). No entanto, esse não foi o único dado negativo evidenciado no ano de 2019.
O relatório de 2019, denominado “O futuro é agora: ciência para alcançar o desenvolvimento sustentável” já atentava para a necessidade de mudanças nas estratégias de execução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento (ODS) da Agenda 2030 que visam construir um futuro mais sustentável.
Lançado pela ONU no dia 11/09/2019, o documento foi discutido na cúpula das Nações Unidas no fim do mês de setembro. Logo em sua introdução, é evidenciado que embora tenham sido feitos progressos, dados mostram que algumas áreas precisam de atenção para que os ODS sejam alcançados.Dentre as principais causas para o cenário desanimador, estão os contínuos danos irreversíveis ao meio ambiente, o desenfreado aumento das desigualdades sociais e as mudanças climáticas, área que atualmente se encontra mais crítica.
O relatório destaca a necessidade de associar os ODS aos sistemas que já existem e funcionam na sociedade. A partir daí, torna-se possível caminhar para a construção de um plano estratégico que reduza de modo incisivo tais questões. O documento mostra ainda que, conforme foi pré-acordado pelos Estados-membros, cada objetivo não pode ser resolvido isoladamente, pois os desafios requerem estratégias inter-relacionadas.
O Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (DESA) da ONU afirmou em um comunicado sobre o relatório que ainda é possível alcançar as metas fundamentais da Agenda 2030, desde que haja uma mudança significativa e urgente na forma como as pessoas se relacionam e interagem com a natureza.
Segundo o relatório, as informações apresentadas foram coletadas a partir dos dados mais recentes disponíveis desde maio de 2019 no quadro de indicadores globais dos ODS. Este, por sua vez, foi preparado pelo Grupo Interinstitucional e de Peritos em Indicadores SDG (GIEI-SDG) e aprovados pela Assembléia Geral em 6 de julho de 2017. O ODS número 1 – erradicação da pobreza é central na Agenda 2030.
O mundo não está em condições de erradicar a pobreza até 2030
O relatório de monitoramento da ONU reuniu dados não muito animadores da atual situação do planeta de acordo com as projeções da agenda 2030. O objetivo número um, por exemplo, estimava que a pobreza no mundo chegaria a pequena porcentagem de 6% até 2030, no entanto, os resultados obtidos até hoje não são favoráveis para que a projeção se concretize. Ganham destaque no documento dados que mostram que:
55% da população mundial ainda não tem acesso à proteção social.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) proteção social pode ser entendida como “(…) ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios para a redução e prevenção de vulnerabilidades e riscos, vitimizações, fragilidades, contingências, que cidadãos e suas famílias enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida, por decorrência de restrições sociais, econômicas, políticas, naturais ou de ofensas à dignidade humana, tais como: desemprego; doença; invalidez; envelhecimento; e perda de cônjuge ou pais. Inclui também ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios para enfrentamento da pobreza e da desigualdade, e para promoção de bem-estar e proteção social a famílias, crianças, adolescentes e jovens, pessoas com deficiência e idosos, entre outros”. Ao investir em proteção social, os países aumentariam sua chance de erradicar totalmente a pobreza ou, pelo menos, diminuí-la para 6% a nível mundial conforme prevê o ODS. Entretanto, o relatório de 2019, mostra que metade da população mundial está socialmente desprotegida.
A falta de proteção social aliada torna os desastres naturais ainda mais calamitosos. Isso ocorre, por exemplo, pela falta ou precária assistência civil ofertada nesses países. Um artigo do Nexo jornal afirma que essa assistência civil para situações de desastre trata da rede de resposta a catástrofes com o envio de ajuda imediata à população afetada. De acordo com o artigo, “esse auxílio pode se dar na forma de pagamentos e garantia de acesso a serviços e materiais já existentes, como fornecer alimentos para as pessoas que vivem em regiões afetadas, por exemplo. Pode acontecer também com o envio de equipes de assistência equipadas e treinadas ao local, além de técnicos que avaliem novos riscos e coordenem a ajuda”. O artigo acrescenta que, nesse contexto, para que a assistência funcione é necessário que haja um sistema econômico consolidado e de uma rede de comunicação e transporte que permita que comunidades próximas não afetadas tenham a condição de ajudar aquelas atingidas pelo desastre. Está sujeita também existência de infraestrutura que acolha os desabrigados e feridos. Tal suporte dificilmente está presente ou é pensado em países subdesenvolvidos.
Mais de 90% das mortes devido a desastres ocorrem em países de renda média e baixa.
Saiba mais: Por que países ricos são mais resilientes a desastres naturais
736 milhões das pessoas viviam na pobreza extrema em 2015. 413 milhões só na África.
O investigador Francisco Ferreira, aponta em entrevista realizada pelo Banco mundial que a violência, os conflitos, guerras civis e a fragilidades das instituições são, algumas das razões para a lenta redução da pobreza em África. No ano de 2015, 736 milhões de pessoas viviam na pobreza extrema. Mais da metade delas (413 milhões) estavam na África.
Francisco cita em suas pesquisas países como o Sudão do Sul, República Centro-Africana, Nigéria e Somália como exemplos. O especialista sabe que há vários outros países que lidam com problemas de fragilidade institucional e conflitos. Nesses países, a pobreza cai muito vagarosamente ou chega até a aumentar. Quando não há um estado de direito, lei, ordem, as pessoas não investem, o capital é destruído, vidas são perdidas. Além do enorme custo humano, há um custo econômico que se traduz em maior pobreza” declara.
O relatório de monitoramento da ONU atua ressaltando que todas as metas e objetivos são igualmente importantes e que a escolha dos indicadores não representa uma priorização de metas, ainda que alguns casos apresentem números mais alarmantes que outros. O monitoramento do progresso dos ODS é vital para que cada objetivo seja implementado na maneira mais eficaz e atinja as metas pré-estabelecidas. Os dados pertencentes ao ODS número 1, dão esse exemplo inicial de que atualmente há uma demanda urgente a ser atendida por meio de investimentos, tanto em sistemas nacionais de coleta de dados e estatísticas quanto em uma maior mobilização de recursos internacionais e nacionais para que desse modo possa ser possível a implementação contundente da Agenda 2030 e o cumprimento de cada ODS estabelecido.